o que eu espero para 2025
#6 Televisa: provavelmente tudo vai ficar bem, mas muita coisa pode acontecer
A gente sabe, né? Que a vida não muda só porque o calendário anuncia que é um novo ano. Não preciso fazer uma introdução explicando que se trata de uma tradição simbólica europeia, do calendário gregoriano e etc. Não é nenhuma novidade. Racionalmente, sabemos que é um ritual, talvez apenas um bom momento para reflexão. Mas, no fundo, queremos acreditar que, em um piscar de olhos, o próximo ano será diferente.
Ao dar uma olhada naqueles stories arquivados, percebi um padrão no meu comportamento: ao final de um ano, sempre compartilho posts desejando que o próximo seja melhor. E não me surpreendi. Quase me embalei e me fiz um carinho — realmente, os últimos tempos foram difíceis. Mas eu parei para pensar e percebi que isso acontece desde antes da existência das redes sociais. Eu nunca tive trégua.
Quase não me lembro deste dia, mas eu sei que ele existiu. Eu tinha uns cinco ou seis anos e estava abraçada à minha prima, um pouco mais velha, em frente à casa que pegava fogo. Dividíamos uma coberta e víamos de longe a fumaça subindo e as fagulhas alaranjadas pintando o céu. Há poucos minutos estávamos lá dentro daquela casa, deitadas em colchões espalhados na sala, assistindo televisão com meus irmãos mais velhos.
Ao final daquele ano, não sei se nas minhas orações eu pedi que tudo fosse diferente, porque a minha perspectiva era a seguinte: “a noite em que eu e minha família dormimos na varanda, porque a sala e os quartos pegaram fogo. Ainda bem que saímos a tempo. O resto meu pai resolveu”. Não foi tão simples; de alguma forma, isso me marcou. Mas não me machucou, porque depois tudo se encaminhou sem que eu tivesse que fazer muita coisa.
Com o passar do tempo, o que mudou foi a forma com que me encontro em meio aos acontecimentos. Hoje, eu preciso muito acreditar que o ano que vem será melhor. Porque, se for difícil de novo, eu mesma terei que resolver, conversar, pedir, pagar, negociar, dialogar, implorar, desvirar, interceder, desenrolar e apagar o incêndio.
Sim, já fiz todas essas coisas e sei que posso fazê-las de novo. Foi pensando nessa capacidade que temos de nos desdobrar que eu postei este pequeno texto no Instagram há algum tempo:
“levei muito tempo para aprender, mas hoje sei que nada é o fim do mundo. não tenho mais aquele desespero de não saber. hoje eu sinto que vou/vamos dar um jeito, que amanhã é outro dia e que as coisas, por mais que levem tempo, vão seguir o curso delas naturalmente. às vezes, só preciso esperar — e essa é a parte difícil. mas há muito pouco, quase nada, que eu consigo controlar. entender isso me deu confiança. acho que essa é a palavra que resume os últimos dias.”
Esse fragmento de vulnerabilidade assustou algumas pessoas, que vieram me perguntar se estava tudo bem. Eu pensei que estava dizendo uma coisa bonita: eu estou confiante, mesmo que tenha sido difícil chegar ao ponto em que me sinto assim. Mas essas pessoas enxergaram apenas um desabafo triste, e tudo bem, eu as entendo também.
O que eu queria dizer é que aprendi a sobreviver ao fim do mundo muito cedo. Eu me lembro de estar dividindo uma coberta com a minha prima, mas pode ter sido até antes. Será que os meus pais sentiam a sensação de não saber o que estavam fazendo, mas faziam porque era necessário agir de alguma maneira? Porque depois tudo ficava bem. Então aprendi a imitá-los, e assim permaneço. E, de tanto achar que sempre é o fim do mundo, hoje sei que nunca é.
Não dá para dizer que saio ilesa depois de cada apocalipse. Há sempre uma lesão ou um pedaço que se perde, ou um leve distúrbio na percepção de cores, um atraso na dicção e um ou outro amigo que não compreende a minha forma de falar agora, depois de voltar do quinquagésimo fim do mundo.
Então, ainda que eu saiba que vou dar conta, preciso dizer que é cansativo. Por isso, a esperança não morre e continuo pedindo que o próximo ano seja menos exigente. No último Réveillon, me convidaram para comer 12 uvas e guardar as sementes para dar sorte a cada mês do ano. Mas as uvas não tinham sementes, e acho que por isso não deu muito certo.
2024 foi igual a 2023: um monte de coisa legal em meio a um monte de coisa difícil. Quem diria que eu iria conhecer Nova York? Quem diria também que eu faria essa viagem em meio a um burnout e voltaria dela com a certeza de que precisava imediatamente deixar o trabalho? Enfim, pelo menos não foi o fim do mundo. Estou otimista, acredito que 2025 pode ser diferente. Mas vou comprar uvas sem sementes, porque são as minhas preferidas.
Só os cultos sabem
Eu leio muitas coisas por indicação do Kindle. Ele quase sempre acerta. Um dos últimos acertos foi As Irmãs Blue, da autora Coco Mellors, que aparentemente é uma das sensações do BookTok. Apesar de usar o TikTok, eu não vejo vídeos de literatura por lá, então eu não sabia do hype dos livros dessa autora.
As Irmãs Blue acompanha três irmãs excepcionalmente diferentes que se reúnem no apartamento onde cresceram, em Nova York, para organizar as coisas da quarta irmã, que faleceu por uma overdose de medicamentos. É um livro denso, mas com personagens muito bem construídas. E, assim como todo bom drama familiar, é emocionante.
Acho que essa indicação combina com a newsletter de hoje, porque as irmãs Blue aprendem juntas a transformar o fim em começos. Eu li com tanta facilidade que, ao terminar, já adquiri a outra obra de Coco Mellors, Cleopatra e Frankenstein.
Me vi em tantas partes do seu texto. Nos momentos de calmaria, eu nem aproveito tanto. Fico sempre alerta esperando o próximo "fim do mundo". Que 2025 seja um ano mais fácil.
só garotas apocalípticas entendem! Que venham os novos fins do mundo de 2025 <3